A Regra do Elevador: Como o TCU Impediu um Prejuízo de R$ 3,3 Milhões em uma Obra Pública

Acórdão 1923/2025 Plenário, Denúncia, Relator Ministro Bruno Dantas.

O Detalhe que Faz a Diferença
As licitações públicas no Brasil, especialmente sob a vigência da nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021), são processos complexos, repletos de detalhes que podem definir o sucesso ou o fracasso de um projeto. Mas o que acontece quando um desses detalhes, aparentemente pequeno, ignora a lógica do mercado e a própria lei?
Em uma licitação para a construção de um hospital, uma única exigência técnica sobre a instalação de elevadores quase resultou em um prejuízo milionário para os cofres públicos. Este artigo analisa uma decisão fundamental do Tribunal de Contas da União (TCU) que se firma como um leading case, estabelecendo uma interpretação paradigmática de como os princípios da competitividade e da economicidade da Lei 14.133/2021 devem se sobrepor ao formalismo anacrônico.

A Lei se Modernizou, Mas a Mentalidade Nem Sempre

O cerne do problema estava em uma exigência do edital: a construtora licitante deveria comprovar, ela mesma, experiência prévia na instalação de elevadores, um serviço de altíssima especialização. Este caso emblemático evidencia como tal requisito ignorou a realidade do mercado da construção civil e representou uma frontal violação aos princípios basilares da nova lei.
Essa regra desconsiderou uma solução legislativa expressa. O art. 67, § 9º, da Lei 14.133/2021, ciente da dinâmica do mercado, não apenas permite, mas oferece um instrumento para que a comprovação de qualificação técnica em parcelas especializadas seja feita por meio de atestados de potenciais subcontratados. A lei moderna foi desenhada para resolver exatamente este tipo de impasse, reconhecendo que construtoras constroem e fabricantes de elevadores os instalam.
O desalinhamento foi perigoso: de um lado, uma lei que fornece ferramentas para ampliar a competição; de outro, uma mentalidade administrativa que, ao ignorá-las, restringiu o universo de competidores e violou diretamente os princípios da competitividade e da economicidade.

O Custo do Formalismo: R$ 3,3 Milhões

A decisão de inabilitar a segunda colocada revela um vício de legalidade que maculou o resultado do certame, com um impacto financeiro direto e alarmante. A desclassificação da empresa, que havia apresentado a proposta mais vantajosa, não apenas abriu caminho para uma proposta R$ 3,3 milhões mais cara, mas acabou por levar à contratação da quarta classificada no certame, evidenciando o efeito cascata da barreira competitiva.
A inabilitação ocorreu porque a empresa apresentou atestados de elevadores com cinco paradas, e não as seis exigidas no edital. Este detalhe é o epítome do "formalismo excessivo e desproporcional" apontado na denúncia, pois o TCU entendeu que a distinção era irrelevante para a capacidade técnica da empresa de gerir um projeto complexo, sobretudo quando a instalação em si é uma tarefa para especialistas. O relator foi enfático ao apontar o dano concreto:
O resultado prático dessa exigência desarrazoada foi a inabilitação da proposta mais vantajosa para a Administração Pública, em prejuízo ao erário. Não se trata, portanto, de um mero formalismo, mas de uma falha grave na modelagem do edital que produziu um resultado potencialmente antieconômico e contrário ao interesse público.

Uma Barreira Artificial e Sem Justificativa Prévia

A análise do TCU revelou que a Administração cometeu um duplo erro na modelagem do edital. Primeiramente, vedou de forma irrestrita a subcontratação de itens de maior relevância. Em segundo lugar, como consequência direta dessa vedação, exigiu que a própria construtora possuísse o atestado técnico para os elevadores. Essa combinação foi a origem da "barreira de qualificação artificial e ilegal", pois o erro inicial tornou a segunda exigência logicamente falha e contrária à estrutura do mercado.
Para agravar, o requisito técnico foi inserido apenas na republicação do edital, sem parecer ou motivação que justificasse sua inclusão tardia. A justificativa apresentada pela Administração durante o processo, baseada na "complexidade do ambiente hospitalar", foi rechaçada pelo TCU como uma "justificação a posteriori", ou seja, um argumento construído retroativamente para defender uma exigência que carecia de fundamento técnico no momento em que foi criada.
A regra, portanto, não apenas contrariava a lei, mas também a lógica produtiva do setor. Conforme destacou o ministro:
[A exigência] não apenas restringe a competição, como desconsidera a cadeia produtiva do setor.

Conclusão: Uma Lição Sobre Inteligência e Economicidade

A tese central que se extrai desta decisão é que as regras de uma licitação devem ser inteligentes, alinhadas à realidade do mercado e, acima de tudo, aos princípios da competitividade e da economicidade que norteiam a Lei 14.133/2021. Este caso cria um precedente vinculante para a Administração Pública, deixando claro que ignorar a flexibilidade da nova lei não é mais uma má escolha, mas um ato ilegal passível de anulação pelos órgãos de controle.
A decisão do TCU, que determinou a anulação do ato de inabilitação e a reanálise da proposta mais vantajosa, não foi apenas uma correção de rumo em um contrato específico. Foi um sinal claro de que a nova lei exige uma nova mentalidade, focada em resultados eficientes e não em barreiras injustificadas.
Fica a reflexão: Quantas outras licitações no país podem estar gerando prejuízos por se apegarem a formalismos que a nova lei buscou superar?

Fonte: Acórdão 1923/2025 Plenário, Denúncia, Relator Ministro Bruno Dantas.

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